A vida é um mistério a ser desvendado, minuto a minuto, segundo a segundo.
fevereiro 17, 2006
Poema de uma criança: "Esta noite meu pai matou-me"
O meu nome é « »Sara » »
Tenho 3 anos
Os meus olhos estão
inchados,
Não consigo ver.

Eu devo ser estúpida,
Eu devo ser má,
O que mais poderia pôr o meu pai em tal estado?

Eu gostaria de ser melhor,
Gostaria de ser menos feia.
Então, talvez a minha mãe me viesse sempre dar miminhos.

Eu não posso falar,
Eu não posso fazer asneiras,
Senão fico trancada todo o dia.

Quando eu acordo estou sozinha,
A casa está escura,
Os meus pais não estão em casa.

Quando a minha mãe chega,
Eu tento ser amável,
Senão eu talvez levaria
Uma chicotada à noite.

Não faças barulho!
Acabo de ouvir um carro,
O meu pai chega do bar do Carlos.

Ouço-o dizer
palavrões.
Ele chama-me.
Eu aperto-me contra o muro.

Tento-me esconder dos seus olhos demoníacos.
Tenho tanto medo agora,
Começo a chorar.

Ele encontra-me a chorar,
Ele atira-me com palavras más,
Ele diz que a culpa é minha, que ele sofra no trabalho.

Ele esbofeteia-me e bate-me,
E berra comigo ainda mais,
Eu liberto-me finalmente e corro até à porta.

Ele já a trancou.
Eu enrolo-me toda em bola,
Ele agarra em mim e lança-me contra o muro.

Eu caio no chão com os meus ossos quase partidos,
E o meu dia continua com horríveis
palavras...

»Eu lamento muito! », eu grito
Mas já é tarde de mais
O seu rosto
tornou-se num ódio inimaginável.

O mal e as feridas mais e mais,
»Meu Deus por favor, tenha piedade!
Faz com que isto acabe por favor! »
E finalmente ele pára, e vai para a porta,

Enquanto eu fico deitada,
Imóvel no chão.

O meu nome é « Sara »
Tenho 3 anos,
Esta noite o meu pai matou-me.



Existem milhões de crianças que assim como a « Sara » são mortos.

Fico chocada até ao mais profundo de mim…

E se porque tu ficaste sensibilizada(o), faz qualquer
coisa!!
O abuso e maus tratos em crianças existem, acontecem, porque pessoas como o pai da « Sara » vivem na nossa sociedade.
 
posted by Lia at 10:21 da tarde | Permalink | 1 comments
fevereiro 03, 2006
Quem sou EU

Deste modo ou daquele modo,
Conforme calha ou não calha,
Podendo às vezes dizer o que penso,
E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
Vou escrevendo os meus versos sem querer,
Como se escrever não fosse uma coisa feita de gestos,
Como se escrever fosse uma coisa que me acontecesse
Como dar-me o sol de fora.

Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à ideia
E não precisar de um corredor
Do pensamento para as palavras.

Nem sempre sinto o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.

Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,

Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.

E assim escrevo, querendo sentir a Natureza nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza e mais nada.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer, ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.

Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.

Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não veja
Que são cinco horas do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro
Do horizonte cheio de montes baixos.

Alberto Caeiro
 
posted by Lia at 3:04 da tarde | Permalink | 1 comments